domingo, 31 de dezembro de 2023

Lili Roze, Colors

Ophelia

"Quem pôs dentro de mim esta ânsia ardente
De quanto é belo e puro e luminoso
— se eu tinha de viver, humanamente,
Prisioneira d'um mundo tormentoso?

Quem me formou um coração fremente,
Torturado, exigente, cobiçoso
D’Altura, d’Infinito – se, impotente,
Queria limitar meu voo ansioso?

Ah! Não sou deste mundo! O meu país
Não é este, onde o sonho contradiz
A realidade! Eu sou uma exilada,

Que um duro engano fez nascer aqui!
Tirem-me da prisão onde caí!
Arranquem-me as algemas de forçada!"

Florbela Espanca

Francesca Woodman portraits (1975-1978)

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Regina De Luise

"A Paz sem Vencedor e sem Vencidos

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos 
A paz sem vencedor e sem vencidos 
Que o tempo que nos deste seja um novo 
Recomeço de esperança e de justiça 
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos 

A paz sem vencedor e sem vencidos 

Erguei o nosso ser à transparência 
Para podermos ler melhor a vida 
Para entendermos vosso mandamento 
Para que venha a nós o vosso reino 
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos 

A paz sem vencedor e sem vencidos 

Fazei Senhor que a paz seja de todos 
Dai-nos a paz que nasce da verdade 
Dai-nos a paz que nasce da justiça 
Dai-nos a paz chamada liberdade 
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos 

A paz sem vencedor e sem vencidos"

Sophia de Mello Breyner Andresen
In “Dual”

Linda Moro

Man Ray (1929)

Stalker (1979), Andrei Tarkovsky

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Stefan Lorant - Our Lily, Arum Lily (1937)

"Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida... 

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte! 
Alma de luto sempre incompreendida! ... 

Sou aquela que passa a ninguém vê... 
Sou a que chamam triste sem o ser... 
Sou a que chora sem saber porquê... 

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!"

Florbela Espanca, do livro de Mágoas, in Sonetos.  Amadora, Portugal: Bertrand, 1978.

Laura Makabresku

Gerhard Richter

domingo, 17 de dezembro de 2023

"queria de ti um país de bondade e de bruma... queria de ti o mar de uma rosa de espuma" Mário Cesariny

Face to Face (1976), Ingmar Bergman

"our kisses deep and warmyour hair upon the pillow like a sleppy golden storm” Leonard Cohen

Nights of Cabiria (1957), Federico Fellini

Henri Matisse (French, 1869-1954) Blue Nude II

BASHÔ, QUE CAMINHA (*) 

”Este homem em marcha sobre a Terra que gira (mas saberá ele que gira? Bem, não importa), está, como todos nós, em marcha dentro de si mesmo:  os dados registados no interior do cérebro, e que dia após dia aumentam, desaparecem ou modificam-se com novas impressões; as entranhas que se mexem dentro do ventre como espirais de nebulosas — morrerá de doença intestinal —; o sangue que lhe corre ou coagula nas veias de homem já de certa idade. Viagens sobrepostas umas às outras. A última etapa foi Osaka, onde nada ainda fazia antever a grande cidade dura e americanizada dos nossos dias. Uma disenteria de Outono levou-o. Esperava-se, com uma certa avidez, o poema tradicional dos últimos momentos, mas Bashô havia dito, uns anos antes, que todos os seus poemas eram poemas dos últimos momentos. 
.
Não vemos duas vezes a mesma cerejeira, nem a mesma lua recortando um pinheiro. Cada momento é o último, porque é único. Para o viajante, essa percepção aguça-se pela ausência de rotinas falaciosamente tranquilizadoras, típicas dos sedentários, que fazem crer que a existência vai permanecer como está durante algum tempo. Na noite anterior à sua morte, Bashô rabiscou versos inacabados que não eram, na verdade, o último poema convencional, mas os discípulos, decepcionados, tiveram de se contentar. Neles, apresentava-se a vaguear, em sonho, por uma charneca de Outono. A viagem continuou.”

MARGUERITE YOURCENAR (Marguerite Cleenewerck de Crayencour, Bruxelas, 8 de Junho de 1903 — Bar Harbor, EUA, 17 de Dezembro de 1987), mulher de letras francesa, naturalizada norte-americana, que escreveu romances, novelas, autobiografia, poesia, ensaio, crítica literária e foi também tradutora. Foi a primeira mulher a integrar a Academia Francesa, fundada em 1634. Excerto, que traduzimos, do ensaio “Bashô sur la route”, in “Le tour de la prison”, Gallimard, p. 11 ss.
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Nota nossa:
(*) — Matsuo Bashō (松尾 芭蕉, Tóquio, 1644 – Osaka, 28 de Novembro de 1694), famoso poeta japonês.

“Like all photographers, I depend on serendipity… I pray for what might be referred to as the angel of chance.” Sally Mann

The Piano (1993), Jane Campion

Helmut Newton, 1973

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

"Na verdade, 
basta-me ver-te para que 
a voz me falte, a língua 
se me fenda e um repentino

fogo subtil alastre 
sob a minha pele, os olhos 
se me escureçam, os ouvidos 
me zumbam, o suor

me inunde, um arrepio 
me percorra toda. Fico 
mais verde do que a erva. Sinto 
que vou morrer."

“O Ciúme”, de Safo; no livro “31 poetas 214 poemas: do Rigveda e Safo a Apollinaire”. Trad. Décio Pignatari, 2ª ed., Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2007.

sábado, 2 de dezembro de 2023

"I remember when I was a little girlOur house caught on fireI'll never forget the look on my father's face as heGathered me up in his arms andFaced through the burning building out on the pavement
And I stood thereShivering in my pajamas andWAtched the whole world go up in flamesAnd when it was all overI said to myselfIs that all there is to a fire?
Is that all there isIs that all there is?If that's all there is my friendsThen let's keep dancingLet's break out the booze and have a ballIf that's all there is
And when I was twelve years oldMy daddy took me to the circusThe greatest show on EarthThere were clowns and elephants, dancing bearsAnd a beautiful lady in pinkTights flew high above our heads
And as I sat there watchingI had the feeling that something was missingI don't know what, butWhen it was overI said to myselfIs that all there is to the circus?
Is that all there isIs that all there is?If that's all there is my friendsThen let's keep dancingLet's break out the booze and have a ballIf that's all there is
And then I fell in loveWith the most wonderful boy in the worldWe'd take long walks by the river orJust sit for hours gazing into each other's eyesWe were so very much in love
Then one dayHe went awayAnd I thought I'd die, but I didn'tAnd when I didn'tI said to myselfIs that all there is to love?
Is that all there isIs that all there is?If that's all there is, my friendsThen let's keep
I know what you must be saying to yourselvesIf that's the way she feels about itWhy doesn't she just end it all?Oh, no, not meI'm not ready for that final disappointment
Because I knowJust as well as I'm standing here talking to youThat when that final moment comesAnd I'm breathing my last breatI'll be saying to myself
Is that all there isIs that all there is?If that's all there is my friendThen let's keep dancingLet's break out the booze and have a ballIf that's all there is"

Paris, Texas (1984), Wim Wenders

Katia Chausheva