Matinas
"O sol brilha; junto da caixa de correio, folhas
da bétula cindida, dobradas, plissadas como barbatanas.
Debaixo delas, estames ocos dos narcisos brancos, Triandos,
Trompetes; folhas
negras de violeta selvagem. Noah diz
que quem é depressivo odeia a Primavera, o desequilíbrio
entre o mundo interior e o de fora. Eu tenho
outra ideia - depressiva, sim, mas unida também
à árvore viva, apaixonadamente, o meu corpo
enrolado no seu tronco, à chuva da tarde, quase em paz,
quase capaz de sentir
a seiva borbulhante, subindo por mim. Diz Noah que esse é
um erro dos depressivos, sentirem um só
com uma árvore. Ao passo que o coração feliz
vagueia pelo jardim como folha caída, um fragmento
da partem não do todo."
Louise Gluck. A íris Selvagem. Tradução de Ana Luísa Amaral. Editora Relógio D'Água. p. 13